...Há muito sabemos que as emoções negativas provocam determinados efeitos químicos prejudiciais ao corpo, mas apenas recentemente, os pesquisadores começaram a reunir provas de que as emoções positivas também podem provocar alterações químicas. Agora, temos uma imagem do cérebro, não apenas como a sede da consciência, mas como uma glândula, a glândula mais produtiva do corpo humano.



segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A Cura Pela Mente



A medicina se rende a práticas
antes consideradas alternativas.
Está provado que meditação, ioga
e técnicas de relaxamento previnem
e ajudam a curar doenças


Tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranqüilo, cantava Walter Franco nos anos 70, no que era uma síntese do modo de vida hippie. Hoje, esses versos caberiam num relatório médico. Pesquisas recentes dão respaldo científico a uma crença que, divulgada no Ocidente pelo pessoal do paz-e-amor, está na base de filosofias orientais milenares – a de que uma mente apaziguada ajuda a prevenir doenças, acelera a recuperação física e até cura. O contrário também se revelou verdadeiro. Pensamentos e sentimentos negativos contribuem para o surgimento de moléstias e atrapalham o restabelecimento de um doente. Rancor, hostilidade, ressentimento e angústia podem estar na origem de distúrbios cardíacos, hipertensão, depressão, ansiedade, insônia, enxaqueca e infertilidade. Além disso, o peso dos sentimentos ruins debilita o sistema imunológico, fazendo com que o organismo se torne um alvo fácil de infecções, alergias e doenças auto-imunes, como a artrite reumatóide. A partir dessa constatação, os pesquisadores resolveram examinar a fundo métodos de aprimoramento mental que, há pouco mais de duas décadas, vinham embalados numa aura de puro misticismo. Ioga, meditação e relaxamento viraram objeto de inúmeros estudos a respeito de sua eficácia terapêutica. As conclusões, até o momento, são bastante positivas. "Depois de analisarmos com rigor o alcance dessas técnicas, passamos a utilizar tais métodos como linha auxiliar de alguns tratamentos", diz o psicólogo José Roberto Leite, coordenador da unidade de medicina comportamental da Universidade Federal de São Paulo.
Um dos maiores investigadores do poder da mente sobre a saúde é o cardiologista americano Herbert Benson, da Universidade Harvard, autor do livro Medicina Espiritual. Pesquisas conduzidas por ele mostram que, em média, 60% das consultas médicas poderiam ser evitadas, caso as pessoas usassem sua capacidade mental para combater naturalmente tensões que são causadoras de problemas físicos. A meditação, demonstra Benson, figura entre as maneiras mais efetivas de fortalecer a mente. Meditar, no caso, não significa pensar detidamente sobre um determinado assunto ou aspecto da vida. Quer dizer justamente o contrário: não pensar em nada durante uma certa parte do dia. É dessa forma, esvaziando a mente das atribulações cotidianas, que os monges budistas tentam atingir o nirvana – aquele estado de absoluta suspensão do ego através do qual se consegue escapar das aflições que costumam tumultuar o cérebro da maioria das pessoas, prejudicando sua saúde. Para os seguidores de Buda, esse é o supra-sumo do conhecimento e da felicidade.
É evidente que não se pretende que uma pessoa comum, que só teve contato com Buda por referências vagas, chegue ao nirvana ou algo que o valha. Mas, ainda que os limites da meditação sejam estreitos para quem está longe de ser um lama tibetano, eles são suficientes para fazer diferença. Num de seus estudos, Benson acompanhou durante cinco anos pacientes que aprenderam a meditar, para tentar controlar doenças coronárias crônicas e outros problemas. Ele notou que os que meditavam de maneira disciplinada, todos os dias, tiveram taxas de recuperação superiores às do grupo de doentes que não levavam a sério a prescrição. O médico americano também verificou que, graças à técnica, metade dos homens com baixo número de espermatozóides por efeito de stress havia melhorado sua produção. Outro dado impressionante é que quase 50% das mulheres com infertilidade associada a dificuldades psicológicas conseguiram engravidar.
Não há nada de transcendental nisso. Usando imagens de ressonância magnética funcional, associadas a um aparelho de eletroencefalograma, uma equipe da Universidade de Wisconsin-Madison comprovou que a meditação produz efeitos concretos no cérebro. Nesse estudo, os pacientes foram divididos em dois grupos: o primeiro praticou-a uma hora por dia, seis dias por semana, ao longo de dois meses. O segundo não meditou. A atividade no cérebro das pessoas de cada grupo foi medida e comparada. Os dados mostraram que, entre os que meditavam, houve um aumento na ativação do córtex pré-frontal esquerdo, a área que concentra as emoções positivas. Os pesquisadores também testaram se o pessoal da meditação teve a função imunológica melhorada. Para chegar a uma resposta, os integrantes de ambos os grupos tomaram vacina contra gripe. De quatro a oito semanas depois da administração da vacina, os participantes do estudo fizeram exames de sangue para medir o nível de anticorpos que produziram contra a vacina. No grupo da meditação, houve um aumento mais significativo. A equipe de Wisconsin agora está usando um novo equipamento de diagnóstico por imagem, o DTI, para saber como a técnica é capaz de agir especificamente sobre determinados circuitos cerebrais.
Os resultados obtidos pelas pesquisas serviram como chancela para que a meditação entrasse para o cardápio dos serviços ambulatoriais e hospitalares. No Columbia Presbyterian Medical Center, um dos maiores hospitais de Nova York, ela é oferecida aos pacientes como terapia complementar, para reduzir a dor e a ansiedade antes de cirurgias cardíacas. Para facilitar o processo, o hospital vende aos interessados uma fita de noventa minutos em que, sobre suave fundo de música new age, uma voz macia convida o ouvinte a evocar um lugar em que ele se sinta feliz. O menu do Columbia Presbyterian inclui, ainda, ioga e massagem. No Brasil, também há hospitais que lançam mão da meditação. Um deles é o Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo. Há três anos e meio, a instituição incluiu a meditação em terapias pré e pós-cirúrgicas e no tratamento de hipertensos e de pacientes com quadros de dor crônica. Hoje, 300 pessoas por mês utilizam o serviço. No hospital da Universidade Federal de São Paulo, a meditação é indicada para quem sofre de fibromialgia e dores lombares persistentes, assim como para pacientes com quadros fóbicos e transtornos obsessivo-compulsivos. "Está em estudo a possibilidade de estender a meditação aos nossos pacientes internados", diz o psicólogo José Roberto Leite.

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